quarta-feira, 29 de setembro de 2010

" ...aqui o que se ouve é o silêncio, ninguém deveria morrer antes de conhecê-lo, o silêncio, ouviste-o, podes ir, já sabes como é." - JANGADA DE PEDRA -

terça-feira, 28 de setembro de 2010

"Pareceu a Pedro Orse, quando no carro entrou, que o cão ganira baixinho, mas terá sido alucinação sua, das tantas que nos acontecem quando queremos muito uma coisa, o sábio corpo apieda-se de nós, simula em si próprio a satisfação dos desejos, o sonho é isso mesmo, que é que julgam, Se assim não fosse digam-me cá como seríamos capazes de aturar esta insatisfatória vida, o comentário é a voz desconhecida que fala de vez em quando". - JANGADA DE PEDRA -

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

"A raça dos inquietos, fermento do diabo, não se extingue facilmente, por mais que se afadiguem os áugures em prognósticos. Ela é a que segue com os olhos o comboio que vai passando e entristece de saudade da viagem que não fará, ela é a que não pode ver um pássaro no céu sem experimentar um apetite de alciónico voo, ela é a que, ao sumir-se um barco no horizonte,arranca da alma um suspiro trémulo, pensou a amada que foi de estarem tão próximos, só ele sabia que é de se achar tão longe". - JANGADA DE PEDRA -

sábado, 25 de setembro de 2010

"José & Pilar" tem momentos banais e reveladores de Saramago

CARLOS HELÍ DE ALMEIDA
Colaboração para o UOL

  • Cena do documentário José & Pilar Cena do documentário "José & Pilar"
Já se esperava que convencer o sempre reservado José Saramago, escritor português falecido em junho passado aos 87 anos, a exibir-se para um câmera de cinema seria difícil. Só não dava para imaginar que, tão difícil quanto, seria minar a resistência de sua última mulher, a jornalista espanhola Pilar Del Rio a concordar com as filmagens para “José & Pilar”, documentário sobre o cotidiano do ganhador por Nobel de Literatura de 1998.
“A troca de e-mails e telefonemas durou uns seis meses. Venci pela insistência”, conta o diretor Miguel Gonçalves Mendes, que veio acompanhar a exibição do documentário no Festival do Rio. A seu lado, Pilar, que virou escudo protetor de Saramago desde que se casaram há 24 anos, minimiza o excesso de zelo. “O Miguel queria fazer um filme sobre o meu relacionamento com o José, e eu achava que, se um filme fosse feito, o foco deveria ser somente ele, e não nós. Mas ele acabou nos convencendo por sua sinceridade. E também por sua insistência. Mas ele insistiu de forma educada. Ele foi um chato educado”, ri a jornalista de 60 anos.
Mesmo com o sinal verde, ainda foi preciso conquistar a confiança do casal. Mendes gravou entrevistas com Saramago e o flagrou em muitos eventos públicos, como conferências, homenagens e lançamento de livros, antes de conseguir acesso total à intimidade dos dois. A combinação de dedicação, paciência e respeito pelos biografados resultou em mais de 230 horas de material filmado, condensado em um longa-metragem de pouco mais de duas horas de duração – o primeiro corte tinha seis horas.
Os momentos mais reveladores são, na verdade, os mais banais: Saramago assistindo a um desenho animado na sala de casa, o sono solto do escritor durante uma conferência sobre a obra de Goya, as declarações de amor à mulher. “Nós não nos preparamos para as filmagens, não estávamos maquiados, nada disso. Ficamos à disposição da câmera do Miguel. Ele esteve presente até nos momentos mais complicados da saúde do José. É, portanto, um filme que destila a verdade de um homem”, define Pilar.
O diretor lamenta que muita coisa tenha ficado de fora da edição final. Uma delas é a situação preferida de Pilar: uma encenação de uma comemoração de Ano Novo em pleno mês de junho, que ganharia fogos de artifício na pós-produção. “O José está lá nos jardins lá de casa, olhando a noite estrelada e falando em explosões pirotécnicas quando, de repente, os habitantes da cidade começam a soltar rojões, em função de um festejo local. Ficou lindo, mas o Miguel resolveu tirar. Isso eu jamais perdoarei!”, diz Pilar, caprichando na falsa indignação.
É bem provável que essa e outras sequências preciosas sobrevivam como extras de um futuro DVD. Mendes também tem esperanças de conseguir convencer as grandes emissoras de TV a transformar a primeira versão do documentário, de 6 horas, que “Almodóvar, coprodutor do projeto, adorou”, como lembra Pilar, em uma minissérie.
Um outro subproduto, no entanto, já está a caminho: as 8 horas de entrevistas com Saramago para o filme foram transcritas e serão publicadas brevemente em forma de livro. “Lá no início, pensei em fazer um documentário mais tradicional, alimentado por entrevistas com ele. Depois revolvi por uma abordagem mais subjetiva e poética. Mas nesse meio tempo, gravei muitas e longas entrevistas com ele. É um material precioso, que não pretendo desperdiçar”, avisa o diretor.
“José & Pilar” tem suas primeiras sessões públicas no Festival do Rio neste sábado (25) às 14h30 e às 19h no Espaço de Cinema 1. O filme estreia no circuito brasileiro em 5 de novembro.

Fonte: http://www.uol.com.br/
"Todos os dias têm a sua história, um só minuto levaria anos a contar, o mínimo gesto, o descasque miudinho duma palavra, duma sílaba, dum som, para já não falar dos pensamentos, que é coisa de muito estofo, pensar no que se pensa, ou pensou, ou está pensando, e que pensamento é esse que pensa o outro pensamento, não acabaríamos nunca mais." - LEVANTADO DO CHÃO -

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

José Saramago fala sobre Deus, Igreja e Bíblia

"Começar a ler foi para mim como entrar num bosque pela primeira vez e encontrar-me, de repente, com todas as árvores, todas as flores, todos os pássaros. Quando fazes isso, o que te deslumbra é o conjunto. Não dizes: gosto desta árvore mais que das outras. Não, cada livro em que entrava, tomava-o como algo único."
El País Semanal, Madrid, 29 de Novembro de 1998

Avós

Cartas que José Saramago escreveu à avó Josefa e ao avô Jerônimo, utilizadas no comovente discurso  ao receber o Prêmio Nobel de Literatura.
São estas as cartas:
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CARTA PARA JOSEFA, MINHA AVÓ

"Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo - e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o Sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal! Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.Não sabes nada do Mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar.Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos da rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha. Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietnam é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja. (Contaste-me tu, ou terei sonhado que o contavas?...) Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém.Estou diante de ti e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este Mundo e não curaste de saber o que é o Mundo. Chegas ao fim da vida, e o Mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não fazia parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal, a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha vã e chão de terra batida. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrugada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos - e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Porque foi então que te roubaram o mundo? Quem to roubou? Mas disto entendo eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti - e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava.Não teremos realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas - e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, porque te sentas tu na soleira da porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: "O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!"É isto que eu não entendo - mas a culpa não é tua."

O MEU AVÔ, TAMBEM

“Talvez o dia chuvoso seja o responsável desta melancolia. Somos uma máquina complicada, em que os fios do presente activo se enredam na teia do passado morto, e tudo isto se cruza e entrecruza de tal maneira, em laçadas e apertos, que há momentos em que a vida cai toda sobre nós e nos deixa perplexos, confusos, e subitamente amputados do futuro. Cai a chuva, o vento desmancha a compostura árida das árvores desfolhadas — e dos tempos passados vem uma imagem perdida, um homem alto e magro, velho, agora que se aproxima, por um carreiro alagado. Traz um cajado na mão, um capote enlameado e antigo, e por ele escorrem todas as águas do céu. À frente, caminham animais fatigados, de cabeça baixa, rasando o chão com o focinho. Homem e bichos avançam sob a chuva. É uma imagem comum, sem beleza, terrivelmente anónima.Mas o homem que assim se aproxima, vago, entre cordas de chuva que parecem diluir o que na memória não se perdeu, é meu avô. Vem cansado, o velho. Arrasta consigo setenta anos de vida difícil, de desconforto, de ignorância. E, contudo, é um homem sábio, calado e metido consigo, que só abre a boca para dizer as palavras importantes, aquelas que importam. Fala tão pouco (são poucas as palavras realmente importantes) que todos nos calamos para o ouvir quando no rosto se lhe acende qualquer coisa como uma luz de aviso. Fora isso, tem um modo de estar sentado, olhando para longe, mesmo que esse longe seja apenas a parede mais próxima, que chega a ser intimidade. Não sei que diálogo mudo o mantém alheado de nós. O seu rosto é talhado a enxó, fixo mas expressivo, e os olhos, pequenos e agudos, têm de vez em quando um brilho claro como se nesse momento alguma coisa tivesse sido definitivamente compreendida. Parece uma esfinge, direi eu mais tarde, quando as leituras eruditas me ajudarem nestas comparações tão abonatórias de uma fácil cultura. Hoje digo que parecia um homem.E era um homem. Um homem igual a muitos desta terra, deste mundo, um homem sem oportunidades, talvez um Einstein perdido sob uma camada espessa de impossíveis, um filósofo (quem sabe?), um grande escritor analfabeto. Alguma coisa seria, que não pôde ser nunca. Recordo agora aquela noite morna de verão, que dormimos, nós dois, debaixo da figueira — ouço-o ainda falar da vida que tivera, da Estrada de Santiago que sobre as nossas cabeças resplandecia (as coisas que ele sabia do céu e das estrelas), do gado que o conhecia, das histórias e lendas que eram o seu cabedal da infância remota. Adormecemos tarde, enrolados na manta lobeira, que a madrugada refrescaria com certeza e o orvalho não caía só sobre as plantas.Mas a imagem que me não larga é a do velho que caminha sob a chuva, obstinado e silencioso, como quem cumpre um destino que nada pode modificar. A não ser a morte. Mas, nesta altura, este velho, que é meu avô, ainda não sabe como vai morrer. Ainda não sabe que poucos dias antes do seu último dia vai ter a premonição (perdoa a palavra, Jerónimo) de que o fim chegou, e irá, de árvore em árvore do seu quintal, abraçar os troncos, despedir-se deles, dos frutos que não voltará a comer, das sombras amigas. Porque terá chegado a grande sombra, enquanto a memória o não fizer ressurgir no caminho alagado ou sob o côncavo do céu e a interrogacão das estrelas. Só isto — e também o gesto que de repente me põe de pé e a urgência da ordem que enche o quarto aquecido onde escrevo.”


José Saramago em “Deste Mundo e do Outro”
Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha, avós maternos de José Saramago, Azinhaga do Ribatejo, anos 60.
Arquivo da Fundação José Saramgo.
Faz parte de um conjunto de postais comprado, em Julho de 2008,  da Exposição "José Saramago: A Consistência dos Sonhos", que esteve patente no Palácio da Ajuda.

Obras publicadas


Romances

Peças teatrais

Contos

Poemas

Crónicas

Diário e Memórias

Viagens

Infantil

Fonte: http://pt.wikipedia.org/

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

‎"As vezes pergunto-me se certas recordações são realmente minhas, se não serão mais do que lembranças alheias de episódios de que eu tivesse sido actor inconsciente e dos quais só mais tarde vim a ter conhecimento por me terem sido narrados por pessoas que neles houvessem estado presentes, se é que não falariam, também... elas, por terem ouvido contar a outras pessoas." - AS PEQUENAS MEMÓRIAS -
‎"Muitas vezes esquecemos o que gostaríamos de poder recordar, outras vezes, recorrentes, obsessivas, reagindo ao mínimo estímulo, vêm-nos do passado imagens, palavras soltas, fulgurância, iluminações, e não há explicações para elas, não as convocámos, mas elas estão aí.  - AS PEQUENAS MEMÓRIAS -

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Em entrevista ao jornal "O Globo", em 2009, na época do lançamento de seu último livro, "Caim":

"No fundo, o problema não é um Deus que não existe, mas a religião que o proclama. Denuncio as religiões, todas as religiões, por nocivas à Humanidade. São palavras duras, mas há que dizê-las."