quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Em despedida, Temer cita Saramago e diz dever tudo à Câmara

Em seu pronunciamento de despedida, o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, citou uma frase do escritor português José Saramago. "Não sou o autor de meus livros. Os personagens que me fizeram o autor", disse. Segundo Temer, que discursou por cerca de 15 minutos na tarde desta quarta-feira na Casa, seus amigos são os responsáveis por ele ter chegado onde chegou, e não méritos próprios. Ele está de saída da Casa por ter sido eleito vice-presidente da República na eleição deste ano.

O adeus de Bloom a Saramago na "Time"

A edição do mês de Dezembro da revista Time, na qual é apresentada a lista de personalidades do ano, relembra José Saramago através das palavras de Harold Bloom.

José Saramago, Autor, 87 anos
José Saramago, alguém que lembro com grande afecto, será uma parte permanente do canône ocidental. Foi o primeiro escritor de língua portuguesa a vencer o Prémio Nobel e é provavelmente mais conhecido por Ensaio sobre a Cegueira - uma interessante alegoria antitotalitarista. Os seus muitos romances possuem uma surpreendente variedade e sensibilidade, e uma versatilidade que abarca a tragicomédia e algo parecido com os antiquados quest romances. Da sua obra, destaco como favoritos, a comédia negra de O Evangelho Segundo Jesus Cristo e o horror de Ensaio sobre a Cegueira. Mas tenho um prazer especial no regresso às suas obras mais cómicas como A Jangada de Pedra, História do Cerco de Lisboa e, principalmente, O Ano da Morte de Ricardo Reis. Em todas as suas maravilhosas meditações em torno da tristeza nas nossas vidas, está sempre presente o espírito do riso a acenar-nos para que prossigamos. O que ele conseguiu alarga a possibilidade da existência.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O que caiu no esquecimento

Nos meus livros, a História não aparece como reconstrução arqueológica, como se tivesse viajado ao passado, tirado uma fotografia e relatasse o que mostra essa imagem. O que eu faço nada tem a ver com isso. Eu sei ou creio saber o que se passou antes e revejo-o à luz do tempo em que vivo. Quando me perguntam se escrevo novelas históricas, respondo que não, pelo menos não no sentido oitocentista da palavra tal como o faziam Alexandre Dumas ou Walter Scott ou Flaubert em Salammbô. A minha intenção é a da procura do que caiu no esquecimento pela História.

“Con el escritor portugués José Saramago: ‘La escritura es otra forma de realidad”, El País (Suplemento Cultural), Montevideo, 24 de Junho de 1994

In José Saramago nas Suas Palavras

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Dificílimo acto é o de escrever, responsabilidade das maiores.(…) Basta pensar no extenuante trabalho que será dispor por ordem temporal os acontecimentos, primeiro este, depois aquele, ou, se tal mais convém às necessidades do efeito, o sucesso de hoje posto antes do episódio de ontem, e outras não menos arriscadas acrobacias(…) - JANGADA DE PEDRA -

BIOGRAFIA

José Saramago nasceu na vila de Azinhaga, no concelho da Golegã, de uma família de pais e avós agricultores. A sua vida é passada em grande parte em Lisboa, para onde a família e muda em 1924 – era um menino de apenas dois anos de idade. Dificuldades económicas impedem-no de entrar na universidade. Demonstra desde cedo interesse pelos estudos e pela cultura, sendo que esta curiosidade perante o Mundo o acompanhou até à morte. Formou-se numa escola técnica. O seu primeiro emprego foi de serralheiro mecânico. Fascinado pelos livros, visitava, à noite, com grande frequência, a Biblioteca Municipal Central — Palácio Galveias.
Aos 25 anos, publica o primeiro romance Terra do Pecado (1947), no mesmo ano de nascimento da sua filha, Violante, fruto do primeiro casamento com Ilda Reis – com quem se casou em 1944 e com quem permaneceu até 1970. Nessa época, Saramago era funcionário público. Em 1988, casar-se-ia com a jornalista e tradutora espanhola María del Pilar del Río Sánchez, que conheceu em 1986 e ao lado da qual viveu até à morte. Em 1955 e para aumentar os rendimentos, começou a fazer traduções de Hegel, Tolstoi e Baudelaire, entre outros.
Depois de Terra do Pecado, Saramago apresentou ao seu editor o livro Clarabóia que, depois de rejeitado, permanece inédito até à data de hoje. Persiste, contudo, nos esforços literários e, dezanove anos depois, funcionário,então, da Editorial Estudos Cor, troca a prosa pela poesia, lançando Os Poemas Possíveis. Num espaço de cinco anos, publica, sem alarde, mais dois livros de poesia: Provavelmente Alegria (1970) e O Ano de 1993 (1975). É quando troca também de emprego, abandonando a Estudos Cor para trabalhar no Diário de Notícias (DN) e, depois, no Diário de Lisboa. Em 1975, retorna ao DN como Director-Adjunto, onde permanece por dez meses, até 25 de Novembro do mesmo ano, quando os militares portugueses intervêm na publicação (reagindo ao que consideravam os excessos da Revolução dos Cravos) demitindo vários funcionários. É, hoje, controverso o modo ditatorial como saneou jornalistas do DN. Demitido, Saramago resolve dedicar-se apenas à literatura, substituindo de vez o jornalista pelo ficcionista: "(…) Estava à espera de que as pedras do puzzle do destino – supondo-se que haja destino, não creio que haja – se organizassem. É preciso que cada um de nós ponha a sua própria pedra, e a que eu pus foi esta: "Não vou procurar trabalho", disse Saramago em entrevista à revista Playboy, em 1995.[2]
Da experiência vivida nos jornais, restaram quatro crónicas: Deste Mundo e do Outro, 1971, A Bagagem do Viajante, 1973, As Opiniões que o DL Teve, 1974 e Os Apontamentos, 1976. Mas não são as crónicas, nem os contos, nem o teatro os responsáveis por fazer de Saramago um dos autores portugueses de maior destaque - esta missão está reservada aos seus romances, género a que retorna em 1977.
Três décadas depois de publicado Terra do Pecado, Saramago retornou ao mundo da prosa ficcional com Manual de Pintura e Caligrafia. Mas ainda não foi aí que o autor definiu o seu estilo. As marcas características do estilo Saramaguiano só apareceriam com Levantado do Chão (1980), livro no qual o autor retrata a vida de privações da população pobre do Alentejo.
Dois anos depois de Levantado do Chão (1982), surge o romance Memorial do Convento, livro que conquista definitivamente a atenção de leitores e críticos. Nele, Saramago misturou factos reais com personagens inventados: o rei D. João V e Bartolomeu de Gusmão, com a misteriosa Blimunda e o operário Baltazar, por exemplo. O contraste entre a opulenta aristocracia ociosa e o povo trabalhador e construtor da história servem de metáfora à medida da luta de classes marxista. A crítica brutal a uma Igreja ao serviço dos opressores inicia a exposição de uma tentativa de destruição do fenómeno religioso como devaneio humano construtor de guerras.
De 1980 a 1991, o autor trouxe a lume mais quatro romances que remetem a factos da realidade material, problematizando a interpretação da "história" oficial: O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984) - sobre as andanças do heterónimo de Fernando Pessoa por Lisboa; A Jangada de Pedra (1986) - em que se questiona o papel Ibérico na então CEE através da metáfora da Península Ibérica soltando-se da Europa e encontrando o seu lugar entre a velha Europa e a nova América; História do Cerco de Lisboa (1989) - onde um revisor é tentado a introduzir um "não" no texto histórico que corrige, mudando-lhe o sentido; e O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991) - onde Saramago reescreve o livro sagrado sob a óptica de um Cristo que não é Deus e se revolta contra o seu destino e onde, a fundo, questiona o lugar de Deus, do cristianismo, do sofrimento e da morte. (sendo esta a sua obra mais controversa).
Nos anos seguintes, entre 1995 e 2005, Saramago publicou mais seis romances, dando início a uma nova fase em que os enredos não se desenrolam mais em locais ou épocas determinados e personagens dos anais da história se ausentam: Ensaio Sobre a Cegueira (1995); Todos os Nomes (1997); A Caverna (2001); O Homem Duplicado (2002); Ensaio Sobre a Lucidez (2004); e As Intermitências da Morte (2005). Nessa fase, Saramago penetrou de maneira mais investigadora os caminhos da sociedade contemporânea, questionando a sociedade capitalista e o papel da existência humana condenada à morte.
Saramago faleceu no dia 18 de Junho de 2010,[3] aos 87 anos de idade, na sua casa em Lanzarote onde residia com a mulher Pilar del Rio, vítima de leucemia crónica.[4] O escritor estava doente havia algum tempo e o seu estado de saúde agravou-se na sua última semana de vida.
O seu funeral teve Honras de Estado, tendo o seu corpo sido cremado no Cemitério do Alto de São João, em Lisboa.
Debeladas as controvérsias a que nunca se furtou e que interventivamente procurava, a marca que ficará na mente e coração do Povo Português será o legado que José Saramago deixará e isso compete à história decidir.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Câmara de espelhos


Muitas vezes são as omissões as que dariam um sentido novo a factos que parecem não ter mais que apenas um motivo. A verdade é que vivemos numa câmara de espelhos na qual tudo se reflecte em tudo e em que tudo é, por sua vez, o reflexo de si mesmo. Quando nos pintam apenas uma imagem sem ter em conta o espelho, essa imagem está incompleta.

“José Saramago. Escritor. ‘Ninguna verdad es definitiva”, La Maga, Buenos Aires, 30 de marzo de 1994
In José Saramago nas Suas Palavras

sábado, 4 de dezembro de 2010

Livro que Saramago deixou inacabado será publicado em 2011

Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas fala sobre a fabricação de armas

A viúva de José Saramago, Pilar del Río, informou que pretende lançar o livro que o escritor deixou inacabado. Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas deve chegar às lojas em 2011. O autor português morreu em junho deste ano.

Apesar de estar pela metade, Pilar acredita que a mensagem do livro é forte e importante. Segundo informações do Segundo Caderno, a obra conta a história de um pai de família que trabalha em uma fábrica de armas. Seu ofício "consiste em fazer uma arma que vai matar outra pessoa", explica Pilar.

— Será publicado porque são páginas suficientemente fortes, belas, úteis e necessárias — pontuou a viúva.

DIARIO.COM.BR

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Uma demonstração explícita e evidente

Ou a razão, no homem, não faz mais do que dormir e engendrar monstros, ou o homem, sendo indubitavelmente um animal entre os animais, é, também indubitavelmente, o mais irracional de todos eles. Vou-me inclinando cada vez mais para a segunda hipótese, não por ser morbidamente propenso a filósofos pessimistas, mas sim porque o espectáculo do mundo é, na minha fraca opinião, uma demonstração explícita e evidente daquilo a que chamo de irracionalidade humana.

Andrés Sorel, José Saramago. Una mirada triste y lúcida, Madrid, Algaba Ediciones, 2007
In José Saramago nas Suas Palavras

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Globalizar o pão

"Se amanhã me disserem que vão globalizar o pão não encontrareis globalizador mais entusiasta que eu. E se me disserem – e fazem-no – que vão globalizar tudo quanto milhares de milhões de seres humanos estão necessitando para viver dignamente, então asseguro-vos que me vereis convertido num seu fanático. Mas a globalização está a acrescentar miséria à miséria, fome à fome, exploração à exploração."

“Soy un relativista”, Vistazo, Guayaquil, 19 de Fevereiro de 2004
In José Saramago nas Suas Palavras