sexta-feira, 25 de março de 2011

Visita guiada à ilha de Saramago

Todas as tardes, em Lanzarote, nas ilhas Canárias, José Saramago saía para dar um passeio. Gostava de o fazer porque ia pensando à medida que caminhava. Um dia, enquanto estava a escrever Ensaio sobre a Cegueira, no ano de 1993, quando ainda não se usavam telemóveis, saiu por volta das seis da tarde. Nesse dia Pilar del Río, a sua mulher, não o acompanhou porque tinha a mãe, de visita, lá em casa. As horas passaram. José não regressava.

Quando eram quase dez horas da noite, José Saramago apareceu em casa. Completamente sujo, amachucado e com pequenas feridas. Contou que tinha subido até ao cimo da Montaña Blanca e que descer tinha sido muito complicado. Fê-lo pelos sulcos de água. Esta é a quinta montanha de Lanzarote em termos de altitude, o cume fica a 595 metros. Para subir e descer, Saramago teve de se agarrar ao mato. Não há estrada, nem caminho, nem trilho. Tinha as mãos ensanguentadas.

Pilar queria matá-lo. Só dizia: “Ele não se matou a subir à Montaña Blanca mas eu estou a ponto de o matar.” Durante vários dias o escritor ficou sem se poder mexer. Quando se queixava de alguma dor, a mulher só lhe dizia: “Aguenta! Aguenta!” E Saramago explicava: “É que eu subi lá a cima!” E ela respondia: “Mas que bem.” Foi a primeira vez que fez isso e a última. Foi um impulso. A montanha e o homem. “Ele era tão transgressor em todas as normas, por que não fazê-lo?”

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